As APP's urbanas: novos paradigmas advindos da Lei 12.285/21.
- Prescyllia Freitas
- 30 de ago. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de set. de 2023
Com a entrada em vigor da Lei n° 12.285/21, o Código Florestal passou a prever que "em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo" (art. 4°, §10).
Em outras palavras, os Entes Municipais e Distrito Federal poderão estabelecer diferentes parâmetros das metragens das áreas de preservação permanente nas "faixas marginais de qualquer curso d’água natural" (art. 4°, inciso I), como rios, por exemplo.
Tal inovação legislativa nos parece de grande avanço, haja vista que há inúmeros municípios que contam com extremo e histórico povoamento de áreas que, segundo a regra geral do inciso I do art. 4°, seriam de preservação permanente.
Ressalta-se, à título de exemplificação, que há locais que as APP's podem chegar a ser de 500m a contar do início do curso d'água. Isso, na prática (e se fosse ser aplicada indistintamente a regra geral do Código Florestal), poderia levar à demolição de boa parte de centenas de cidade e milhares de residências.
Na grande maioria dos casos, a intensa habitação das APP's urbanas fez com que as mesmas perdessem a função ambiental, tornando totalmente inócua a aplicação da regra geral e justificando a necessidade da alteração legislativa.
De fato, nos parece que outorgar aos Entes Municipais a possibilidade de legislar sobre a matéria aumenta demasiadamente a possibilidade de harmonização da proteção ambiental com as garantias constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, Proteção da Família e a própria razoabilidade/proporcionalidade que se espera do Estado de Direito, uma vez que os Municípios poderão legislar de acordo com a realidade fática, ambiental, social e histórica de cada local.
Isso, todavia e diferentemente do que muitos sustentam, não se trata de um prejuízo ao meio ambiente, haja vista que a Lei 12.285/21 cuidou de prever requisitos basilares que irão nortear e resguardar a proteção ambiental, prevendo principalmente que:
(I) Tais legislações ambientais/distritais deverão ser precedidas da análise dos "conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente" - §10, art.4° -;
(II) Devendo prever "a não ocupação de áreas com risco de desastres" - inciso I, §10° -;
(III) Devendo haver "a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver" - inciso II, §10°;
(IV) E ainda devendo conter "a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei" - inciso III, §10°;.
Ou seja, a lei efetivamente resguarda a proteção ambiental e, se bem analisada, busca assegurar a própria função socioambiental da propriedade, além de conceder eficácia prática ao dever de harmonização dos direitos e garantias em conflito.
Aliás, Robert Alexy ensina que “cuando dos principios entran em colisión uno de los principios tiene que ceder ante el otro. Pero, esto no significa declarar inválido al princípio desplazado ni que em el principio desplazado haya que introduzir una clausula de expepción. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que em los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio com mayor peso” (Robert Alexy. In Teoria de los Derechos Fundamentais – Centro de Estudos Políticos Y Constitucionales. Madrid. 2002. fl. 89)
Como forma de ilustrar “el principio com mayor peso” no caso em análise, importantes as lições do Ilustre Ministro Gilmar Mendes, que reconhece que, estando-se diante de “colisão de direitos”, “necessitando de um juízo de ponderação” [...] “não há dúvida de que os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana assumem peculiar relevo (CF, art. 1°, III)” (Gilmar Ferreira Mendes. In Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 2007. fl. 95).
Logo, é evidente que o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é de grande valia e deve nortear a atuação do Estado de Direito, o que evidencia a total adequação e constitucionalidade da lei em comento, haja vista que resguarda referido princípio e, ainda, a proteção ao meio ambiente.
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